Abolir o trote universitário
Oriowaldo Queda e Antonio Almeida
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014 11h32

No Estado de São Paulo, o
trote universitário está proibido pela Lei Estadual 10.454 de 1999. Tal proibição não ocorreu em um vácuo, ela é a consequência óbvia de décadas de abusos, da insensibilidade da universidade e dos desmandos perpetrados pelos trotistas. Apesar de suas deficiências, esta lei sinaliza que o trote é inaceitável e que a universidade deve buscar sua extinção. As universidades, seus dirigentes e as demais autoridades públicas são responsáveis por fazer cumprir esta lei.
O trote é um dos principais problemas do ensino superior no Brasil e deve ser tratado como tal pela universidade, pela polícia, pelo Ministério Público, pela justiça, pelas autoridades e pelos cidadãos. A universidade e seus dirigentes não podem oferecer apoio ao trote sem se tornarem responsáveis pelos abusos, violências e crimes que dele decorrem. Não podem, por exemplo, em seus documentos oficiais, chamar seus alunos de calouros, bichos ou veteranos, como se isto fosse tradição ou brincadeira. Também não podem dar espaços, auxílio financeiro ou qualquer outro apoio material ou discursivo aos grupos trotistas. Quando o fazem, tornam-se responsáveis pelo que ocorrer e devem ser julgados e punidos por isto.
A democracia necessita de uma educação que, além do conhecimento técnico, promova a igualdade, o convívio dentro de regras de respeito mútuo e o diálogo sobre os conflitos. Dentro desta perspectiva, o trote revela o fracasso da educação para o convívio democrático, pois, o princípio que subjaz ao trote é que o outro existe para ser doutrinado e subjugado.
A universidade que apoia ou consente o trote, além de não cumprir a lei, não pratica uma educação para a democracia, promovendo um ensino autoritário, altamente danoso para o convívio e para o diálogo. A sociedade deve repudiar tal forma de ensino, exigindo transformações profundas da universidade.
Nas faculdades onde o trote é recorrente, ele é uma marca da instituição e de seus interesses, uma relação entre a instituição trotista e seus alunos e alunas. O trote tenta impor, muitas vezes com sucesso, formas extremamente radicais e irresponsáveis de pensar as relações entre as pessoas. O entendimento dos trotistas (alunos, ex-alunos, pais, mães, funcionários, professores e dirigentes) sobre a sociedade, a ciência e a tecnologia é precário e perturbador.
O trote transforma pessoas em brinquedos de outras pessoas. Por isto, nele, não existem brincadeiras. As suas práticas envolvem sempre preconceitos, discriminações e muita violência simbólica e física. A maldade é evidente. O trote é um teste para selecionar aqueles que estão aptos a incorporar as ideologias racistas, sexistas, preconceituosas dos grupos trotistas, que se traduzem em hierarquias rígidas. Todas as pessoas que questionam estas ideologias serão desprezadas por aquele grupo. Se o trote prega o desrespeito pelas pessoas, não podemos esperar qualquer responsabilidade por parte dos trotistas.
Não há nenhum motivo decente para a manutenção do trote. Ele atrapalha a democratização da sociedade brasileira; visa construir grupos para interferir nos destinos da universidade, orientado-a para finalidades mesquinhas; tenta impor toscas ideologias sobre os alunos; e, por estes e outros motivos escusos, maltrata, fere e, algumas vezes mata. Devemos exigir da universidade responsabilidade social e ambiental. Portanto, basta de trote, em relação a ele, apenas a abolição faz sentido.
(http://www.jornaldepiracicaba.com.br/capa/default.asp?p=opiniao&idnot=214954)
LEI N. 10.454, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999
(Projeto de lei nº 244/99, do deputado Faria Júnior - PMDB)
Dispõe sobre a proibição de trote que possa colocar em risco a saúde e a integridade física dos calouros das escolas superiores, e dá outras providências
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1.º - É vedada a realização de trote aos calouros de escolas superiores e de universidades estaduais, quando promovido sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos.
Artigo 2.º - Compete à direção das instituições públicas de ensino superior:
I - adotar iniciativas preventivas para impedir a prática de trote aos novos alunos, segundo disposto no Artigo 1.º e respondendo a mesma por sua omissão ou condescendência;
II - aplicar penalidades administrativas aos universitários que infringirem a presente lei, incluindo expulsão da escola, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.
Artigo 3.º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Palácio dos Bandeirantes, 20 de dezembro de 1999.
MÁRIO COVAS
José Anibal Peres de Pontes
Secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
Celino Cardoso
Secretário- Chefe da Casa Civil
Antonio Angarita
Secretário do Governo e Gestão Estratégica
Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 20 de dezembro de 1999.